sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Faroeste caraquenho


Um motivo muito bom é necessário para uma pessoa ser convencida a morar em Caracas.

O problema não é a poluição, nem o barulho, nem a sujeira. Nem a cara-de-pau dos caraquenhos. Nem a inflação. Ou a violência. Ou o trânsito. O problema é tudo isso junto.

Aqui não existem regras mesmo. E todo mundo sabe disso - reclama quando quer, aproveita quando pode. Só pra lembrar, olá, nascida e criada no Brasil, certo? E ainda digo que este lugar sim corrompe qualquer tipo de moral.

Dou muita risada quando ouço algum caraquenho falando de educação. Desculpa, mas é o que eu posso fazer! Ninguém aqui mais tem a menor idéia do que seja educação. Talvez pensem que dizer buenos días e hasta luego seja o mesmo ter boas maneiras. Ser civilizado. Como estás, mi amor no celular e ao mesmo tempo enfiar a mão na buzina às seis da manhã, logo depois de ter saído da garagem do prédio à toda e quase atropelar a velhinha. A velhinha, por seu turno, passeava com seu pequeno pug cagão na calçada, deixando presentinhos para todos os passantes. Por que não? Os cachorros de todos os vizinhos cagam na rua.

Em Caracas as noites são quentes e as calles são sujas. Vou ao supermercado à pé, atenta para não pisar nas baratas. Ao lado do posto de gasolina há uma ótica, uma galeria de arte e uma concessionária. Também um carrinho de cachorro-quente funciona a partir da hora do almoço. Enche de gente e a esquina à noite se enche de lixo. Em frente à galeria, já fechada, uma sombra corre de mim... Sei que não era um gato, mas era quase do tamanho de um.

A cidade não é para pedestres. Usaria botas se não fosse o calor.

Perto da minha casa há uma loja Cartier. Eu nem imaginava, porque para entrar você precisa primeiro adivinhar que ela está ali. Depois passar por dois ou três seguranças. Não há indicação externa alguma de que a loja exista. Descobri porque a gerente da assistência técnica é minha aluna, e trabalha no segundo piso. Pelo visto três seguranças do lado de fora e sabe-se lá quantos mais dentro não são suficientes para a loja mostrar o nome na rua.

Todos os dias caminho até este lugar, na hora do almoço. Um par de óculos escuros enormes e vou. Não só pelo sol, mas também para melhor ignorar o homus caraquenhus vulgaris, também conhecido como homem comum. Já passei por um período reprimido, depois por um agressivo, agora estava tentando uma coisa mais zen-budista. Não está dando certo. Toda vez que o parquero (manobrista) que passa o dia fazendo nada em frente ao café fino vê uma mulher passando, tem que dizer alguma besteira, e eu ando tendo uma vontade irracional de fritar a cabeça dele em óleo e depois dar pros cachorros. No semestre passado, quando eu comecei a liberar esse tipo de raiva, boa coisa não deu - posso dizer que houve gritos, ameaças, cuspe e uma breve, semi-intervenção da polícia.

Que posso fazer? Eu só cuspo quando tenho certeza.

Dois dias depois torci o tornozelo e tive que ir ao médico. Brujería daquele imbecil? Sei lá. Como ainda não tinha plano de saúde, fui a uma clínica particular com centenas de bolívares na bolsa, preparada para o absurdo que ia ser a conta. Tirei apenas uma radiografia e na saída me apresentaram mil bolívares na fatura (o equivalente a mil reais). Amarela de susto fui checar, item por item, a facada. Raio-x, certo, taxa de admissão na emergência, também... Mas o resto, nada que ver com nada. Fui perguntar no caixa, tomei mais um chá de cadeira. Depois o próprio não conseguia me explicar o resto da conta. Minha cabeça queimava, ardia insuportavelmente, até que perdi a paciência - e ninguém nunca mais ia ser capaz de encontrá-la, pelo menos naquela clínica.

Ele disse: você não pode ir embora sem pagar o resto. Resposta: como não se já estou indo? Tchau. Fez menção de vir atrás de mim, então fui clara: vai fazer o quê? Cancelar meu cartão de crédito? Não tenho. Nem conta em banco. Vai chamar a polícia? Ótimo, aí você me explica melhor, na frente do policial, esta conta esotérica.

Parou de me seguir. E eu me arrastei, mancando, até o ponto de ônibus mais próximo, já que não tinha mais dinheiro para o táxi.

Chegando em casa recebi uma mensagem de uma aluna, que mais cancela aulas do que assiste, perguntando se podia mudar de idéia e confirmar a lição do dia. Não, não pode, porque eu caí da escada e torci o pé e não me sinto bem.

Mas eu já estou a caminho, disse ela, peguei um táxi.

Ah, tudo bem então, sem problemas. Só esqueci de te avisar que mudei pra Colômbia. Nos vemos na semana que vem.

3 comentários:

Maria, Maria disse...

Má, me diverti horrores as custas de suas desgraças cotidianas venezuelanas...
Para alguma coisa serve.
Me identifiquei com a falta de educação dos soteropolitas em geral, ruas sujas, montes de cocôs de cachorros, gente e afins...
beijo!

mais um pros outros disse...

Queriiiiiiiiiiiiiiida, simplesmente amei esse post! já sabia de algumas coisas, mas não em tantos detalhes... suas descrições e comentários são fantásticos. amando seu blog cada vez mais! beijos do big brother ;-)

Anônimo disse...

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