segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Mortópolis, ou cemitério da Recoleta

Pensava que os irlandeses tinham mania de cemitério até conhecer o Recoleta. Não, não saí desesperada pra "ver" a Evita - até entendo o fascínio que as pessoas têm pela vida dela, mas essa mania não me pegou. Fui porque: 1) adoro cemitérios desde criancinha; 2) estávamos tomando café ali mesmo na Recoleta, então might as well see what the fuss is all about. Com ou sem cemitério, aliás, vale a pena ir ao bairro, porque é lindo e aristocrático e muito verde. Aliás mesmo em notórios tempos de turismo econômico em Buenos Aires, este café da manhã foi uma facada, e não das de manteiga.

Arredores do Recoleta

Logo na entrada dá pra ter uma idéia do que o lugar é: uma cidade de mausoléus de todos os tamanhos, onde estão enterradas (ou onde há espaço para) as famílias mais ricas da cidade.




Gente, é o país da morbidez! Mas os mausoléus são mesmo impressionantes, cheios de esculturas e grades e vitrais, alguns impecáveis e outros caindo aos pedaços. O lugar data de 1822 e tem cerca de 70 sepulturas declaradas como monumentos históricos nacionais. Parece mentira, mas quase todos os túmulos mais antigos e malcuidados e os arbustos ao redor estavam cobertos de camadas e camadas de teia de aranha, à la Halloween. Fora os gatos, dezenas de gatos misteriosamente distribuídos em cada rua do cemitério. Um por rua! Imagino se eles fazem isso de propósito, só pra deixar os visitantes perturbados. Ao menos os mais impressionáveis, como eu.


Tudo ia bem até resolvermos espiar dentro dos mausoléus (pelo vidro, ok...). Daí me dei conta de que os caixões estavam logo ali, separados das pessoas somente por uma porta de ferro e vidro. Em vários era possível ver não um ou dois, mas uma pilha de caixões assim, meio caindo, um em cima do outro. A partir daí os sanduíches de miga (provem, são misto-quentes em um pão de forma superlevinho) que estavam no meu estômago começaram a se comportar mal... Ainda não tinha captado essa história de mausoléu. Na minha cabeça simplória funciona assim: morreu, enterrou ou cremou - de um jeito ou de outro os restos são comidos (ui!), ou pelos vermes ou pelo fogo.

Favor não perturbar os mortos.

Da Wikipédia : Na Europa os sepultamentos dentro das igrejas eram comuns até o momento da peste negra (peste bubônica) quando as igrejas não comportaram mais tantos corpos, além do risco de contaminação, quando os enterros foram instituídos. No Brasil-colonial e imperial os sepultamentos existiram até o ano 1820, quando foram proibidos, momento que construíram os primeiros cemitérios. Até então somente negros (escravos) e os indigentes eram enterrados. Os homens livres eram sepultados nas igrejas, por isso o tamanho de uma cidade era medido pela quantidade de igrejas que possuía, pois as igrejas faziam o papel dos cemitérios e algumas cidades coloniais, no Brasil, por exemplo, possuíam mais de 360 igrejas. O sepultamento continua a existir em cemitérios modernos que constroem sepulturas ao invés de covas. O corpo não é enterrado e sim encerrado dentro de uma câmara, onde irá decompor-se.

Conselho: não pense em nada disto quando visitar o cemitério, porque dá enjôo.

Categoria luxo: nota 10

Depois de me perder e perguntar um pouco, acompanhada de um grupo de israelenses que não falavam espanhol, encontrei o sepulcro da família Duarte, onde está a Evita (por uma pequena contribuição é possível adquirir um mapa na porta do cemitério, mas eu não sei ler mapas, nem os fáceis nem os difíceis). Ele é simplinho comparado com as loucuras de ostentação que você vê pelos seis acres do lugar, mas é bem-cuidado e... tem uma FILA constante de gente querendo colocar flor e fazer sei lá o que mais. A morta mais querida que eu já vi.

O povo traz até bombons. Que ela deve estar magrinha eu imagino, mas...

Aqui, um monte de histórias curiosas sobre os habitantes do Recoleta - tem a do coveiro que passou a vida economizando para ter seu próprio mausoléu, a da mãe que pediu autorização para dormir ao lado do sepulcro da filha, do casal que se detesta pela eternidade. Bom para praticar el portuñol.